A despedida do mestre da Escola Paulista de Arquitetura
Provocativas, a literatura e a filosofia nos fazem encarar a efemeridade da vida. “Nunca somos. Sempre estamos”, diz Chico Buarque no seu quarto romance, “Leite derramado”. Na obra de Gregório de Matos, são inúmeros os versos barrocos que tiram o chão do leitor com as dualidades e as contradições da nossa existência. Fugazes, tendências vêm e vão, estações passam e, cotidianamente, observamos a destreza da vida em mudar tudo de lugar de uma hora para outra. Nesse contexto, a arquitetura é um dos antídotos do tempo — tanto para as obras quanto para os seus autores, que ficam eternizados em cada traço. A passagem do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em maio, aos 92 anos, é prova disso: seus projetos carregam, a partir de agora, o talento do gênio modernista que marcou a arquitetura brasileira como um criador autêntico, controverso e sem papas na língua.
Vencedor, em 2006, do Pritzker Prize, considerado o prêmio nobel da arquitetura, Mendes da Rocha explorou a relação entre construção e natureza nas suas criações. Para ele, a “primeira e primordial arquitetura é a geografia”, pensamento que o guiou ao longo dos mais de 60 anos de carreira, em obras como a Casa Butantã — que se tornaria sua própria residência, em São Paulo —, o Cais das Artes, a Pinacoteca de São Paulo e o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), os dois últimos reconhecidos pela fundação Mies van der Rohe em duas premiações. As honrarias não pararam por aí: entre os títulos recebidos de instituições internacionais estão também o Leão de Ouro da Bienal de Veneza e o Prêmio Imperial do Japão.
A atuação do capixaba deixou um legado para além de suas construções: como professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), a partir de 1961, passou a integrar a “escola paulista”, caracterizada pelo brutalismo do concreto armado. Foi à frente da instituição que colocou em prática sua face de arquiteto-cidadão, quando teve seus direitos cassados, em 1969, durante a Ditadura Militar. O lado humanista de Mendes da Rocha provocaria, ainda, outras polêmicas ao longo dos anos. Para a comunidade arquitetônica, essa ousadia em projetar e expor seus pontos de vista definiu a trajetória do arquiteto e urbanista — e se tornou um dos seus principais patrimônios para a arquitetura brasileira.